Falando Sobre... Blockchain e os ERP

Publicação: 13/02/2019
Área:Gestão e Gerenciamento de Projetos

Algumas vozes estão gritando por aí: “Blockchain vai mudar tudo!!!” Sim, esse conceito vai gerar mudanças incríveis em várias atividades, mas tudo?!?!?! Não, isso não vai acontecer.

A sociedade e o mundo dos negócios passam constantemente por ondas de transformações geradas por um ou mais conceitos, adaptações, técnicas e/ou tecnologias que, quando encontram um terreno fértil, prosperam e muitas das verdades conhecidas e praticadas caem por terra.

Os impactos que as ferrovias e os telégrafos geraram quando aparecerem foram fantásticos; os computadores, e toda a sua evolução, mudaram o mundo; a internet e os smartphones criaram um universo alternativo altamente dinâmico; e, hoje em dia, vemos a Indústria 4.0 começando a ter impactos de maior escala, a Internet das Coisas (IoT) alocada nas nossas casas e até no que vestimos, modelos de negócio baseados em plataforma destruindo modelos antigos, inúmeras aplicações de Inteligência Artificial coexistindo conosco… tudo ao mesmo tempo… aqui, agora.

Blockchain é mais um elemento neste contexto, mas é um elemento, que quando combinado com todos os outros, realmente faz tremer muitas das estruturas enraizadas que conhecemos, inclusive impactando o mundo dos ERP. Vamos falar sobre isso!!!

Antes, Precisamos Falar Um Pouco Sobre o Que É Blockchain

Não tenho a pretensão, neste momento, de detalhar todo o funcionamento e as tecnologias embarcadas no conceito de Blockchain, o foco deste artigo é trabalhar as suas aplicações e implicações no mundo dos ERP. Tem muito material bem completo publicado na internet que poderá te guiar numa pesquisa mais aprofundada. O que cabe neste momento é uma visão sucinta que possa fazer com que você entenda as linhas gerais envolvidas.

O que é o Blockchain? É um conceito que modela uma estrutura distribuída de informações, que tem como objetivo assegurar, com alto grau de confiabilidade, numa velocidade razoável, a veracidade de uma informação gerada e trabalhada dentro desta estrutura.

A base de trabalho é a seguinte:
Suportado por um sistema de trabalho distribuído P2P (Peer-to-Peer), sem um ponto concentrador, uma série de pessoas/empresas disponibilizam seus computadores para processar e armazenar informações dentro de um protocolo padrão de comunicação. Essas pessoas são chamadas de Mineradores.

Cada informação (que pode ser um texto, tabela, imagem, som, etc.) é colocada inicialmente num bloco (chamado de bloco gênese), que é criptografada, gerando uma chave nomeada como hash. Neste bloco também tem uma numeração e um outro número de controle chamado nonce. Todos eles impactam no cálculo de formação do hash.

Essa criação do bloco foi registrada num Livro de Registros Distribuídos, que é chamado de ledger, e tanto o ledger, quanto o bloco gênese, vão ficar fisicamente guardados, de forma distribuída, em todos os computadores dos Mineradores.

Um agente associado a rede distribuída, que seja proprietário da informação ou tenha autoridade para usá-la, vai fazer uma transação com este bloco, por exemplo: essa informação pode ser um certificado de propriedade de uma obra de arte, e a transação feita foi de transferência da propriedade de uma pessoa para outra.

Com isso, um novo bloco associado ao bloco gênese foi criado, com informações específicas (nonce, número do bloco, hash e a transação). Os Mineradores têm como função descobrir qual foi o nonce gerado no processo e validar a transação e o bloco anterior (até o bloco gênese). Qualquer alteração inadequada em algum bloco faz com que seja praticamente inviável conseguir validar.

O Minerador que consegue processar primeiro a validação recebe uma recompensa (financeira ou não financeira) e todos os demais Mineradores confirmam se realmente a transação está correta. Com a confirmação da maioria (ou de um percentual definido), a transação é processada em toda a rede distribuída. Caso não seja validada pela rede, a operação é descartada.

Todos os blocos válidos e o ledger atualizado ficam nas máquinas de todos os Mineradores. Uma nova transação é feita com base neste bloco e tudo se repete.

Tipos de Blockchain:
a) Público: todas as transações são públicas, mas os usuários podem permanecer anônimos. Qualquer pessoa que tiver meios de acesso poderá participar do processo (como por exemplo, comprar e vender uma moeda virtual).
b) Privado: uma corporação dita quem pode participar e quais serão as regras de permissões. Esse modelo é interessante para operações B2B.
c) Consórcio: Com a mesma visão do Privado, sendo que aqui a gestão é feita por um grupo de empresas, e as decisões são tomadas de forma colegiada e/ou direcionadas por regras específicas.
d) Semiprivado: tem uma corporação a frente, ditando as regras, mas permite que pessoas/empresas externas participem.

Smart Contract (Contrato Inteligente):
É um conceito associado ao Blockchain que tem como objetivo garantir, de forma autoexecutável, que uma série de regras associadas a um contrato estabelecido ocorram. Diferente dos contratos impressos, os mesmo ocorrem em operações transacionais dentro de sistemas, onde obrigações e penalidades são definidas e controladas. Isso é importante para fazer negócios entre partes que tenham riscos de não cumprimento de algum requisito. “Confiança sem confiar”.

Além disso, os smart contracts podem tomar informações de outros processos. Em situações com a necessidade de comprovação em ambiente físico existe o papel do Oracle. Exemplo: o Oracle coloca dentro do sistema as informações sobre o óbito de uma pessoa para executar um smart contract de testamento dela.

Outro recurso interessante é a possibilidade de deixar caucionado moedas eletrônicas associados ao smart contract, onde, caso as regras sejam quebradas, esse dinheiro é diretamente transferido para o participante prejudicado.

Softwares Para Blockchain: até o momento, mais de 40 plataformas diferentes de Blockchain já foram produzidas, entretanto dois modelos abertos de trabalho estão se posicionando como os padrões de mercado: Hyperledger e Ethereum. Ambas são operantes, mas ainda estão num estágio relativamente inicial de maturidade.

Com base no que foi descrito acima, vemos que a utilização do Blockchain pode trazer quatro principais benefícios, que são:
=> Economia de Tempo: operações com alto índice de confiabilidade muitas vezes demoram de dias a meses, e aqui estamos falando de minutos.
=> Corte de Custos: as transações de alta confiabilidade costumam ter custos muito elevados, e aqui podemos ver custos bem menores.
=> Redução dos Riscos: no momento, trabalhar com Blockchain tem alguns riscos oriundos da maturidade das tecnologias embarcadas, mas, em essência, os tipos de riscos e as probabilidades que eles ocorram nas operações são muito menores que as operações tradicionais que vemos.
=> Aumento da Confiabilidade nas Transações: esse é o ponto forte do Blockchain, e que, em essência, o torna extremamente atrativo. A princípio, não tem como manipular informações.

E os ERP Nesta História?

Para conseguir ter um pouco mais de clareza, vamos trabalhar dois grupos de análise: os segmentos e modelos de negócio afetados pelo Blockchain e os pontos operativos e técnicos associados aos Blockchains e aos ERP.

Os Segmentos e Modelos de Negócio Mais Afetados Pelo Blockchain

Existem inúmeros segmentos de negócio que são e serão amplamente afetados pelos Blockchain, onde destaco:

01) Criptomoedas: No momento temos mais de 1.400 criptomoedas diferentes no mercado. As principais criptomoedas são negócios específicos, mas algumas foram feitas e gerenciadas por empresas e outras representam segmentos específicos de negócio. As criptomoedas são totalmente suportadas pelo Blockchain, na realidade elas só passaram a existir porque o Blockchain passou a ser técnico e economicamente viável, mas como qualquer negócio, as empresas de criptomoedas também precisam ter um controle das operações, e ai entra os ERP com APIs de integrações e análises específicas.

02) Cartórios: caso eles ainda existam nesta nova realidade, eles vão precisar se reinventar, e muito, e de forma rápida, e os seus ERP verticalizados também. A principal função dos cartórios é fazer registros e garantir a veracidade das informações... tudo que o Blockchain faz, só que ele faz com mais segurança, mais rápido e mais barato.

03) Área Jurídica: desde escritórios de advocacia, passando por fóruns e trâmites judiciais, todos vão ter os seus processos repensados sob a luz do Blockchain. Esta é uma área que depende, em muito, da veracidade das informações. Já de início, todas as documentações dos processos poderiam utilizar Blockchain como meio de uso controlado.

04) Área Financeira: é a área que está mais à frente da transformação com o Blockchain. Todos os seus processos principais são auditáveis e com grandes impactos legais, onde destaco as transações financeiras internacionais, que são complexas, lentas, caras e existem muitos riscos embarcados em tudo isso. É aqui, inclusive nos ERP verticalizados, que o uso dos Blockchain vai crescer de forma assustadora.

05) Importação/Exportação: é um segmento que também depende, em muito que tudo ocorra de forma rápida e com confiabilidade. Alguns pontos mais operacionais, como as documentações de embarque, as informações aduaneiras e até o ciclo financeiro devem ser transformados primeiro.

06) Área Médica: todos os tipos de participantes dessa cadeia vão precisar se transformar com o uso de Blockchain, onde destaco as ações relacionadas aos prontuários eletrônicos, compartilhamentos de históricos médicos e consolidação e tráfego seguro de informações de exames. Acredito que até mesmo as pessoas que ocupam essa área e conhecem sobre Blockchain tem dificuldades em imaginar todas as possibilidades por aqui.

07) Agronegócio: esse segmento tem muita dificuldade em realizar a rastreabilidade direta e reversa dos seus produtos. Eles têm necessidades legais e operacionais para isso e muitos riscos e improdutividade na sua execução. Os Blockchains vão conseguir resolver esse problema de forma economicamente viável.

08) Negócios com Propriedade Intelectual: música, livros, artes, e tudo mais que você possa imaginar nesta linha pode, deve, será e já está sendo impactado pelo uso dos Blockchains nas suas operações. O simples controle da propriedade associados a smart contracts já vai ter um grande impacto nos processos comerciais e financeiros envolvidos.

09) Logística: cadeias inteiras de abastecimentos, com grandes necessidades de integrar informações operacionais, cadastrais e fiscais confiáveis entre as empresas participantes são a realidade da área de Logística. Solução: usar o Blockchain com sabedoria.

10) Bolsas de Valores: essa área já está dando os seus primeiros sinais que vai utilizar largamente as suas operações com Blockchain… as próprias ações das empresas e todo o ciclo de compra e venda podem (e devem) usar esta ferramenta..

11) Governos: essa é uma área que vai ser amplamente beneficiada com o uso dos Blockchains. Identidades Digitais, Documentos Digitais, Eleições, Pesquisas, Atendimento à População, etc. Tudo isso ocorrendo de forma validada. Os ERP Verticalizados dessa área vão precisar passar por uma grande transformação.

12) Modelos de Plataforma: este modelo de negócio está devastando as empresas tradicionais de hoje em dia. Uber e Airbnb são grandes exemplos do que estou falando. Blockchain, com a sua operacionalidade descentralizada em P2P, pode criar um modelo chamado DAO (Decentralized Autonomous Organization). Uma DAO é uma combinação de código de computador, uma cadeia de blocos, smart contracts e pessoas. Casos de serviços de transporte e venda de imóveis já foram testados em DAO. Acredito que esse modelo pode ter algum espaço no curto/médio prazo, mas qualquer coisa que eu vá falar aqui é um grande exercício de futurologia sem grandes premissas de apoio.

Pontos Operativos e Técnicos Associados aos Blockchains e aos ERP

01) Smart Contracts… As Vezes Não São Tão “Smart” e Nem Tão “Contracts”
O grau de “inteligência” que um smart contract tem, está plenamente relacionado com os processos e as regras de negócio embarcadas nele. Como em todo contrato, tem momentos que precisamos fazer mudanças ou aditivos que são significativos. Como fazer isso nos smart contracts de forma prática e sem acabar com a integridade das informações das atividades já desenvolvidas?
Outro ponto relevante é: quando um smart contract realmente representa um relacionamento contratual, qual é o posicionamento jurídico da validade legal desse tipo de contrato? Mesmo não tendo um documento formalizado, os smart contracts (que ocorrem em operações dentro e/ou entre sistemas) podem ser operacionalmente contratos ou parte de contratos, com ações, inclusive financeiras, sendo feitas. Isso certamente precisa ter leis e/ou jurisprudências específicas que os apoie.

02) Senhas X Assinatura Eletrônica X Blockchain
Vejo como uma tendência natural termos várias possibilidades de utilizar recursos que garantam a identificação de quem está operando o ERP, ou qualquer elemento do seu ecossistema. As Assinaturas Eletrônicas foram criadas para ser mais uma camada de segurança em operações críticas, mas elas, mesmo com os bons recursos atuais que temos, ainda tem um grau razoável de riscos de segurança.
Os Blockchain são uma solução muito interessante para diminuir ainda mais esses riscos. Seja por tokens ou por ações diretas de assinaturas (tem muitas possibilidades técnicas que os especialistas no assunto podem ficar por dias conversando conosco sobre isso), os fornecedores de ERP já devem se mexer para implementar uma solução baseada em Blockchain. O momento é agora.

03) Para Muitas Coisas o Modelo Transacional do ERP É o Ideal
Entrada de materiais, alocação de pessoal em Ordens de Produção, planejamento das Ordens de Serviços e todas as demais ações transacionais do dia a dia são muito bem atendidas pelo modelo transacional tradicional que os ERP tem.
Blockchain é seguro, mas será que o grau de segurança em um ambiente fechado e controlado que é o ERP de uma empresa tem já não fornece a segurança necessária?
Comparado ao modelo transacional dos ERP, Blockchain é lento e muito caro.

04) Ponto Crítico: Rede de Mineradores
A formação da rede de Mineradores é uma das atividades das mais importantes para a implantação do Blockchain. Uma rede grande diminui a probabilidade dos ataques de segurança terem êxito, visto que seria necessário infectar/controlar um número significativo de máquinas específicas para conseguir quebrar a segurança sistêmica do processo.
Outro ponto relevante é ter volume transacional atrativo para os Mineradores, oferecendo boas recompensas financeiras ou não financeiras. Exemplo: um fornecedor de drive virtual que implantou o Blockchain, ofereceu como recompensa aos Mineradores espaço no próprio drive virtual dele. Já fornecedores em geral, valores em moedas ou criptomoedas será o padrão.
No mercado corporativo em geral veremos empresas especializadas na captação e manutenção de redes de Mineradores.

05) Custo Operacional Total do Blockchain
Olhando o lado da empresa usuária do Blockchain, além das recompensas para os Mineradores, o tempo transacional envolvido, que é bem maior que nas transações com o ERP, também impacta negativamente na análise financeira total.
Aplique o Blockchain naquilo que realmente é importante e financeiramente viável.

06) Uso de Blockchain nas Interações Externas Críticas
Em vários processos e subprocessos das empresas, atividades com acionistas, clientes e fornecedores acontecem com um certo grau de agilidade e de criticidade. Atendimento ao Cidadão, Compra de Produtos/Serviços, Contratos de Projetos Vendidos, Atendimento ao Cliente, Entrada de Sinistros de Acidentes de Carro, etc. Todos eles são fortes candidatos a terem as suas informações validadas por Blockchain durante o processo.

07) Uso de Blockchain nas Informações Sensíveis da Empresa
Dentro das empresas, as informações sensíveis como: formulação de produtos, aprovações de processos não conformes, aprovações de compras/pagamentos vultosos, ciclo de formatação de conteúdos (empresas de comunicação ou de propaganda), relatórios de auditorias e pareceres técnicos, tabelas de preços etc. Já podem (e devem) ter as suas validações por Blockchain.

08) Modelagem de Processos com Blockchain
Olhando o ecossistema dos ERP e todos os recursos possíveis, implementar Blockchain tem que ser componentizado e trabalhado de forma comum. Com a maturidade dos Blockchains isso vai acontecer, o que você, fornecedor de ERP precisa definir é quando você vai colocar este recurso no seu sistema.
Como fazer isso?
Desconsiderando a rede de Mineradores, que, deve ter um modelo de negócio próprio para a captação e implantação, colocar recursos de Blockchain em processos dentro de sistemas, deve ser otimizado para trabalhar com:
=> Ferramentas de BPMS: podendo ser trabalhado como um recurso dentro dos elementos das notações ou ter um ou mais elementos específicos.
=> Ferramentas Case / Frameworks de Programação / Camadas de Programação: Incorporar nas ferramentas de programação componentes específicos.
=> Componentes Adquiridos: comprados em mercados de componentes e colocados dentro dos sistemas.
=> Serviços Incorporados: uma atividade ou evento ativa a realização de um serviço externo de validação das informações, retornando os resultados.
As opções precisam ser construídas e maturadas. O melhor caminho ainda precisa ser descoberto.

09) Gestão de Ativos com Blockchain
Veículos, máquinas e até obras de arte, todos os ativos relevantes podem ter a sua gestão melhorada com o uso de Blockchain para assegurar as suas identificações e com isso controlar melhor as suas localizações e até os seus usos.

10) A Maturidade do Blockchain (e do Seu Ecossistema) Pode Ser Um Problema Significativo no Curto/Médio Prazo
Estamos no início da maturidade de formatação e de uso do Blockchain nos negócios e vemos que as principais plataformas ainda estão tendo falhas estruturais e bugs, bem como ainda estão operando com velocidades baixas e com pequenas redes de Mineradores… tudo precisa maturar ainda, e certamente vai demorar alguns anos para isso acontecer.
Enquanto isso, vamos ver o que sempre aconteceu com as tecnologias disruptivas ou altamente incrementais: o Blockchain será aplicado gradativamente nos principais pontos de ganhos e depois vai crescer o seu uso de forma exponencial.

Blockchain está sendo chamado da “Internet de Valor”, sim, ele merece esse título, porque valida e entrega valores no decorrer dos processos.

No artigo eu foquei em algumas aplicações do Blockchain com os ERP e os seus ecossistemas, mas ele vai muito além disso, com grandes possibilidades de impactos na esfera social e governamental, no relacionamento de países e até na visão econômica com a viabilização da criação de criptomoedas, por exemplo.

Para mim, Blockchain é uma solução em busca de problemas, e no mundo dos ERP ele vai achar vários problemas para atuar.

Mãos e mentes à obra!!!

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Autor: Mauro Oliveira
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